Instituto Poiésis

Escritos de isolamento por Wilson Luis. 

“Ah se eu tivesse tempo”, “coisa boa é quem tem tempo”, “quando eu tiver um tempinho”… O tempo de ontem é o mesmo de hoje! Com ou sem quarentena, o mesmo tempo. Lidar com isso nestes dias de isolamento me assusta e angustia tal qual o que acontece lá fora: ambos falam do desconhecido, do novo, da imensidão que é “não saber”! Sou desses que é multifacetado, que realiza muitas coisas e em diversas esferas e sempre me pego falando sobre um tempo que gostaria que fosse meu: quando eu o tiver. Neste tempo, que ainda não tenho, mas que tenho usufruído dele de modo diferente do convencional, tenho pensado sobre isso.

A necessidade de produzirmos, de estarmos “pra fora” parece nos pedir exequibilidade, rapidez e aí de repente o nosso fazer, independente de qual, parece estar mensurado em horas e não mais em identidade, desejos e escolhas. Quando esta conversão acontece, parece que não é mais as baterias e pilhas que comandam o tic tac das horas, e sim a nossa energia vital que se torna força para tentar cadenciar as horas e torná-las produtivamente nossas!!! E aí vem a provocação: e agora que você, amigo privilegiado, está necessariamente em casa, consegue realizar todos aqueles planos e projetos que foram deixados de lado por falta de tempo? O up grade, os livros que comprei e nunca li, arrumar, escrever aquele artigo, decorar, melhorar, ser um pai e mãe mais presente, refazer… Com muita empatia te digo: eu imagino que não! Ou pelo menos não como gostaria. E tá tudo bem! Porque o problema nunca foi o TEMPO, e sim o ESPAÇO.

A pergunta sacrificante do “quando fazer” aliena o desejo de fazer! Claro que não fazemos apenas o que desejamos, mas também o que precisamos. Mas se você precisa mesmo, entendendo precisar como uma necessidade, adiar seria paralisar um processo vital! Você precisa mesmo? Será que o excesso de afazeres não feitos esconde e nubla os verdadeiros desejos e necessidades que são tuas? É disso que falo quando convoco o espaço ou invés do tempo. A ideia não é mais “quando farei” mas “tenho espaço para fazer?” e naturalmente este espaço não é o físico, mas o interno: cabe em mim e a mim fazer?

Isso que desejo fazer é meu mesmo ou atende aos interesses de parecer ser algo? Interesses estes que sustentam e nos sustentam tantas vezes! Disso que desejo fazer o que disso fala verdadeiramente de mim? Será se esse desejo não é antigo e hoje ele não tem mais espaço na minha vida? O tempo nunca o teremos: o capitalismo nos provocou a achar que um dia o teríamos quando disse-nos que tempo é dinheiro. E se quero ter dinheiro, também quero ter tempo! Só esqueceram de dizer que este tempo está no mundo. Um mundo que existe a partir de onde enxergo. E tudo que enxergo é um desejo de caber em mim, de se ver refletido de algum modo, de assimilar. Será que não tenho tido a necessidade de parecer com o mundo quando o quero colocar inteiro aqui e abandono o projeto de me tornar quem verdadeiramente sou? É claro que o que sou é parte do mundo! E daí penso que sai tanta dor em não podermos sair pro mundo exterior agora. É normal ocupar seu espaço agora com outras vontades que antes, quando se estava completamente pra fora, não eram tão presentes.

Estar preocupado com o avanço da doença, perceber a casa e como ela se suja mais rápido, o quanto se come mais, roupas e coisas velhas estocadas e tantas “novidades” é natural. Seu mundo neste momento é esta caixa que dizemos casa e não mais aquilo que não tem bordas, o infinitamente possível. Percebo a casa também como infinitamente possível, mas do modo como consumimos o “pronto” hoje, a casa pode ser só a casa e pronto. 

Com a necessidade atual, E LEGITIMADA PELO MUNDO, de estar dentro, convocamos a angústia de não perder estar fora. E ela vai tomando mais espaço! O que está lá fora sustenta e valida muitas existências que não tem espaço na nossa vida, mas para parecer ser do mundo, atual, ser bem aceito e amado elas “precisam caber em nós”. Talvez por isso seja tão difícil viver estes dias de isolamento: há um encontro marcado sem horas, com espaço, inevitável e inadiável comigo mesmo, e neste encontro é difícil reconhecer e dar conta que muita coisa que não cabe a mim e em mim ainda está aqui!

Gostou do texto? Veja outros conteúdos, compartilhe em suas redes sociais e me siga no Instagram!